quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Até para matar tem que haver criatividade

Há alguns dias li uma notícia em um jornal [não me lembro qual] que me agradou como há muito tempo uma simples notícia de jornal não me agradava. E agradou não porque ela fosse uma boa notícia entre várias notícias ruins, das quais os jornais estão povoados; muito pelo contrário, ela era uma notícia pior que as outras, com a vantagem de ser mais poética e criativa.

O título era o seguinte: “uma mulher assassinou o seu amante com um beijo”. Incrível, não? A mulher foi sentenciada à morte na China acusada de assassinar seu amante com um beijo venenoso. Entre a mulher e o seu amante havia um pacto que, caso um deles desrespeitasse ou fosse infiel ao outro, teria que morrer inexoravelmente. E vai que um belo dia a mulher encontrou o amante falando com uma outra mulher e se sentiu ultrajada no seu papel de fêmea. Decidida a punir o homem pela sua suposta infidelidade, marcou com o amante um encontro para o dia seguinte e, durante um apaixonado beijo, introduziu em sua boca uma cápsula com veneno de rato que trazia sob a língua. O homem engoliu a cápsula e morreu instantes depois.


Fiquei imaginando que mesmo que tal notícia seja falsa, ela é preferível à grande parte das notícias que hoje estão em voga em todos os meios de comunicação, como engarrafamento aéreo, corrupção, tropas e essas coisas. E me pareceu melhor que muito romance escrito hoje em dia; e melhor ainda, pois escrito por um romancista frustrado, que é o jornalista por essência. Os jornalistas deveriam ser mais criativos e nos arranjar umas notícias mais emocionantes como essa triste e sublime pérola que relato. A falta de criatividade ronda o jornalismo...


Por outro lado, se a notícia é verdadeira, devemos render honras à criativa assassina, que com grande classe fez um serviço sujo se transformar numa interessante notícia. Ela deveria ter ganhado um prêmio pelo feito, e não a pena de morte, talvez viagem para o Brasil. A lição é que os assassinos, assim como os jornalistas, deveriam ser mais criativos: já que não vêem outra coisa a fazer. O amante da história, coitado, que nós nem sabemos se ele realmente traiu a mulher peçonhenta, deveria ter sido criativo o bastante para fazer jus ao verso de Augusto dos Anjos: “escarra nessa boca que te beija”.

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